O Antropocentrismo Pandémico

Persona, Ingmar Bergman

Este é o tempo do Antropocentrismo. Uma espécie de perturbação narcísica à escala global. Não se trata de um egoismozinho, uma teimosia centrípeta do ego, ou egocentrismo, não, não é isso, é mais. Muito maior. Narciso, conta a mitologia Grega, enamorou-se da sua imagem, que era bela, sim senhor, nada contra, creio que qualquer um, tivesse a possibilidade de escolher, optaria pela combinação genética mais harmoniosa e favorável ao seu corpo e mente. O problema foi que Narciso ficou preso nesse lugar. Para sempre. Incapaz de se abrir ao exterior, ao mundo, às relações com os outros. Assim morreu. E nesse lugar, dizem, nasceu uma flor que viria a ter o seu nome. 

Poético. 

E triste.  

O Antropocentrismo, por sua vez, como refere Kopnina e seus colegas (2018), num artigo chamado Anthropocentrism: More than Just a Misunderstood Problem, na sua concepção dentro da área da ética ambiental, cito, “is the belief that value is human-centred and that all other beings are means to human ends.” 

Em síntese, nós é que mandamos, pomos e dispomos, e tudo o resto, se servir para alguma coisa, na perspectiva do umbigozinho da pessoa, talvez se safe, caso contrário, não. No artigo, Helen Kopnina refere ainda que alguns autores com preocupações ambientais têm defendido que o atropocentrismo é eticamente errado, constituindo-se como a raiz das crises ecológicas. Ao que eu acrescento, Helena, a raíz da maioria das crises. Ponto final. 

Anyway. Não é sobre ecologia nem crises que eu tinha decidido escrever. Antes de chegar ao objectivo desta escrita, ainda assim, deixar aqui só uma observação a propósito da pandemia e de uns outdoors que tive oportunidade de observar em Lisboa no fim de semana passado. 

Percebo a lógica, a intenção, a força que o medo exerce sobre qualquer animal, humano ou não. Não percebo esta miopia. Não percebo que não se levante o tapete de uma vez e se sacuda o lixo todo, era uma boa oportunidade…

O problema da pandemia é um problema de antropocentrismo. Naturalmente que acabaremos todos por pagar o preço. Seja lá por razões kármicas, ou da física, a 3ª Lei de Newton, for every action there is an equal and opposite reaction. É isso. Isso seria de humano com “H” grande. Outdoors não narcísicos. Com a intenção de promover a dúvida, a incerteza, o conflito cognitivo e emocional e favorecer a mudança mais estrutural. 

As máscaras protegem, claro, mas são isso mesmo, máscaras para um problema feio, terrível, imenso, um mundo invertido que espreita. 

O atropocentrismo não é infantil. É mesmo parvo. Só isso. Falta de inteligência. 

(Entretanto decidi que não vou escrever mais nem sobre outro assunto, agora, fico por aqui, a pensar.) 

Inês Peceguina

Referências bibliográficas

Kopnina, H., Washington, H., Taylor, B. et al. (2018). Anthropocentrism: More than Just a Misunderstood Problem. J Agric Environ Ethics, 31, 109–127. https://doi.org/10.1007/s10806-018-9711-1

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